quarta-feira, 27 de maio de 2009

Promover um município acessível

Dados do IBGE (Censo Demográfico de 2000) demonstram que cerca de 15% da população brasileira têm alguma deficiência ou incapacidade. Além destas, há pessoas idosas, pessoas com mobilidade temporariamente reduzida, como grávidas, há pessoas obesas, pessoas baixas, pessoas muito altas. Ou seja, em função da idade, estado de saúde, estatura e outros condicionantes, diversas pessoas têm necessidades especiais para receber informações, chegar até pontos de parada, entrar em veículos ou realizar seu deslocamento em espaços públicos.
Acessibilidade significa permitir que todos desfrutem de todos os espaços e serviços que a sociedade oferece, independentemente da capacidade de cada um. Em alguns municípios há um departamento específico, em geral ligado à Secretaria de Assistência Social, para tratar das questões consideradas pertinentes às pessoas com deficiência. Ao abordar o tema desta forma é como se a prefeitura excluísse as pessoas com deficiência da dinâmica social, colocando-as numa espécie de caixinha rotulada. A vida das pessoas com deficiência é como a vida de todos os cidadãos. Ou seja, mais do que estruturar uma ou outra ação voltada para as pessoas com deficiência ou restrição temporária de mobilidade, para garantir a acessibilidade no município, a prefeitura deve ter esta preocupação em todas as suas ações, desde as especificações técnicas para mobiliário urbano ou habitações, até ações específicas em todas as áreas, como saúde, transporte, trabalho e educação, passando pelo atendimento ao público em geral.
Desde 2004, há uma lei federal que estabelece normas gerais para a promoção da acessibilidade para as pessoas com deficiência. O decreto 5.296/2004 estabelece uma série de critérios básicos, em diversas áreas, que devem ser observados e implementados por todos os municípios e estados do Brasil. O decreto trata de cinco eixos prioritários, sendo que os três primeiros dizem respeito a ações de responsabilidade do poder público municipal: acessibilidade ao meio físico, acesso ao sistema de transportes coletivos terrestres, aquaviários e aéreos, acesso à comunicação e à informação, acesso às ajudas técnicas, e à existência de um programa nacional de acessibilidade com dotação orçamentária específica.
Ao considerar estes critérios para a formulação de políticas e atendimento da população, o município melhora a vida de todos os cidadãos.

Conselho Municipal

Um dos primeiros passos para a prefeitura implementar uma política de acessibilidade pode ser a constituição de um conselho municipal da pessoa com deficiência. Esta é uma das melhores formas de comunicação entre o poder público e as pessoas com deficiência, buscando desenhar as políticas públicas e eleger prioridades neste campo.

A legislação referente à criação deste conselho deve contemplar suas finalidades e competências, estabelecer a composição, mandato e a dinâmica de funcionamento, definir origem de recursos para garantir o funcionamento e as ações previstas.

Em cada município há diferentes organizações que reúnem as pessoas com deficiência. É importante que todas estas organizações sejam ouvidas desde os primeiros passos para o estabelecimento de uma legislação que leve à criação do conselho.

Após a criação do conselho, um diagnóstico inicial é fundamental para dar início aos trabalhos. Neste diagnóstico, pode-se estabelecer uma metodologia que identifique as demandas da população em geral no que se refere à acessibilidade, buscando integrar as diferentes necessidades dos cidadãos no desenho das políticas públicas municipais. É importante, também, identificar iniciativas já implementadas em outras localidades. Muitos municípios já têm ações que contemplam a acessibilidade. Conhecer estas experiências, tanto do Brasil quanto de outros países, adequando-as à realidade e à dinâmica locais é um bom caminho para desenhar uma política pública que leve em conta o avanço que já se tem neste campo.

O diagnóstico e o desenho das políticas prioritárias para garantir a acessibilidade, especialmente das pessoas com deficiência, são o início de um processo continuado de revisão da lógica de pensar a cidade, os serviços e os equipamentos públicos.


Esse processo de diagnóstico e desenho das políticas públicas precisa ser feito juntamente com as pessoas com deficiência. Elas devem ser as protagonistas desse processo, com os demais atores sociais. O lema do movimento é “Nada sobre nós, sem nós”.

Atendimento prioritário

Os órgãos da administração pública devem dar atendimento prioritário nos serviços públicos a pessoas com qualquer tipo de deficiência.

O atendimento prioritário compreende tanto tratamento diferenciado como imediato. Para garantir o atendimento diferenciado, as prefeituras devem, em todos os edifícios e serviços, disponibilizar assentos de uso preferencial bem sinalizado, mobiliário de atendimento adaptado à altura e condições físicas, serviços de atendimento especial para pessoas com deficiência auditiva e visual, disponibilizar área especial para embarque e desembarque das pessoas com algum tipo de deficiência.

Além de investir na infra-estrutura, a prefeitura deve oferecer capacitação aos funcionários para que estes saibam como realizar o atendimento, respeitando as diferenças e garantindo acesso e serviços de qualidade. Ter funcionários capacitados para atender pessoas com deficiência auditiva, por exemplo, é fundamental para que estas possam se comunicar e ter acesso aos serviços necessários.

É importante também que a prefeitura incentive as organizações privadas a disponibilizarem atendimento prioritário, principalmente em bancos, supermercados e lojas, garantindo que estas pessoas tenham acesso a todos os tipos de serviço. A prefeitura pode, além de realizar campanhas educativas, oferecer cursos de capacitação do funcionalismo.

Acessibilidade arquitetônica e urbanística

Não basta, no entanto, garantir um atendimento diferenciado se as pessoas com deficiência não conseguem acessar os serviços ou se locomover até eles. Também é importante que a prefeitura garanta o deslocamento das pessoas com deficiência. Para tanto, o decreto regulamenta uma série de ações que podem promover a acessibilidade arquitetônica e urbanística.

Neste sentido, diversas ações podem ser realizadas, sendo importante atentar para a sinalização, disponibilização de informações, condições especiais de entrada e saída dos meios de transporte, assentos de uso preferencial, etc.

Outras ações que podem ser executadas são a construção de calçadas rebaixadas com rampa com inclinação de acordo com a Norma Técnica da ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas, instalação de cabines telefônicas adaptadas, portas amplas para passagem de cadeiras de rodas, instalação de rampas ou elevadores para acesso a edifícios, espaços especiais para as cadeiras de rodas, como nos cinemas ou auditórios, sinalização visual e tátil para pessoas com deficiência auditiva e visual.

Como, segundo a lei de cotas, deve haver funcionários públicos com deficiência, é importante que as intervenções também possibilitem que eles realizem seu trabalho em espaços adaptados, com mesas com tamanhos especiais, inclusive nos refeitórios, computadores na altura correta, elevadores e rampas de acesso, armários em altura acessível, banheiros adaptados, portas largas, etc. Todas essas especificações técnicas também podem ser encontradas nas normas da ABNT.

É importante que, além de intervir em espaços públicos, a prefeitura garanta que os espaços privados – como lojas, supermercados, farmácias, padarias, etc. – também adaptem seus espaços. Os locais de lazer, como teatros, cinemas, auditórios, ginásios e salas de conferência devem também reservar espaço para as cadeiras de rodas, de boa visibilidade e devidamente sinalizado. Cabe à prefeitura o incentivo e o controle às adaptações.

As prefeituras também devem se preocupar com a disponibilização de habitações adaptadas ou acessíveis em programas voltados à habitação de interesse social. Devem ser reservadas habitações nos pisos térreos, com rampas de acesso, portas ampliadas e banheiro adaptado.

Acesso à informação e à comunicação

O decreto prevê que, para garantir inclusão digital às pessoas com deficiência, os telecentros comunitários do poder público devem possuir instalações acessíveis como mesas com altura adequada para cadeiras de rodas e equipamentos com sistema de som e fones de ouvido instalado para pessoas com deficiência visual. É importante que a prefeitura capacite os funcionários dos telecentros para que saibam lidar com essas pessoas, atendendo-as segundo suas necessidades, com respeito e dignidade.

Computadores, periféricos (como mouses e teclados) e softwares adaptados devem estar disponíveis e a equipe de orientação do serviço deve aprender a usá-los. Há muitos softwares adaptados que são gratuitos.

Também devem ser foco de intervenção os telefones públicos (orelhões), que devem ser acessíveis, com altura compatível com a cadeira de rodas. A prefeitura deve garantir também, por exemplo, a existência de centrais de intermediação de comunicação telefônica a serem utilizadas por surdos em tempo integral.

Resultados esperados

Ao contemplar a acessibilidade no desenho das diversas políticas públicas do município, mais do que estruturando uma ou outra ação voltada para as pessoas com deficiência ou restrição temporária de mobilidade, a prefeitura reconhece as diferenças existentes, abre algumas possibilidades para redução das desigualdades e superação da exclusão a que é submetida uma parcela significativa da população.

Mais do que o cumprimento de um decreto federal, o município amplia a efetivação dos direitos e a equiparação de oportunidades para as pessoas com deficiência, que passam a exercer seus talentos e habilidades.

À medida que têm acesso à educação e, posteriormente, ingressem no mercado de trabalho, as pessoas com deficiência estarão efetivamente incluídas na sociedade, participando como cidadãs, como consumidoras, como pessoas produtivas, como chefes de família - enfim, viverão uma vida plena, tendo respeitadas as limitações eventualmente colocadas por sua condição.

Em um município acessível, todos saem ganhando, podendo conviver com o diferente, em condições de dignidade e respeito. Afinal, somos todos diferentes...


Fonte:
http://www.polis.org.br
Autores: Gabriela Lotta e Veronika Paulics, com consultoria de Marta Gil. Contato: dicas@polis.org.br

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